
O plano do Brasil de abrir vastas áreas de floresta amazônica para a entrada de desmatadores pela rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) e estradas laterais associadas, como a AM-366, é, sem dúvida, o projeto de infraestrutura planejado com as maiores consequências ambientais na Amazônia hoje [1-6]. Um dos “elefantes na sala” em relação a esses desenvolvimentos é seu valor financeiro para o presidente russo Vladimir Putin. Em 16 de fevereiro de 2022, oito dias antes de a Rússia invadir a Ucrânia, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro se reuniu com Putin por três horas em Moscou (Figura 1), e um dos itens da agenda foi “energia”. Nada é conhecido publicamente sobre o que foi discutido sobre este tema, muito menos o que pode ter sido comunicado nas entrelinhas. No entanto, os interesses financeiros do Presidente Putin são parte relevante.
A BR-319 é uma rodovia construída pela ditadura militar brasileira no início dos anos 1970 e abandonada em 1988. A reconstrução da rodovia permitiria grileiros, posseiros , agricultoressem-terra organizados (sem terras), madeireiros, pecuaristas, especuladores de terra e outros atores para se deslocarem do “arco do desmatamento” no sul da Amazônia para áreas já conectadas a Manaus por estrada e para as vastas áreas que seriam abertas por planejadas estradas laterais ramificadas a partir da BR-319 (Figura 2). Desde 2015 um projeto de “manutenção” vem melhorando gradativamente a BR-319, mas o projeto de “reconstrução” planejado aguarda a aprovação de seu estudo de impacto ambiental.
O gigantesco projeto de petróleo e gás “Bacia Sedimentar do Solimões”, planejado a oeste da BR-319, tem enormes consequências potenciais, especialmente como motivação para a construção de estradas cortando a última grande área intacta da floresta amazônica brasileira [9]. A AM-366, uma estrada planejada ramificando-se da BR-319 [10], passaria por parte do projeto de petróleo e gás, que abrange quase a metade do Estado do Amazonas (Figura 3). Os blocos deste projeto (os pequenos quadrados marrons na Figura 3) que ficam diretamente no caminho da AM-366 estão entre os 16 blocos para os quais os direitos de perfuração já foram vendidos para a Rosneft, a gigante russa de petróleo e gás (veja [11], seção Apurinã, pág. 106). A Rosneft é notória por seus impactos ambientais, e o Greenpeace-Rússia acusa a empresa de causar mais de 10.000 derramamentos de petróleo em todo o mundo [12]. O dinheiro e a influência de uma empresa do porte da Rosneft significam que ela provavelmente conseguirá convencer os governos federal e estadual a priorizar a construção de estradas que beneficiem suas operações, como BR-319 e AM-366.
O presidente da Rosneft, Igor Sechin, é amigo próximo do Presidente Putin [15] (Figura 4) e é considerado a segunda pessoa mais poderosa da Rússia, superada apenas pelo próprio Putin [16]. A nomeação pelo Putin para chefiar a Rosneft também transformou esse ex-agente da KGB em um dos oligarcas mais ricos da Rússia [17] (Figura 5). O interesse financeiro pessoal na BR-319 e AM-366 do associado mais próximo do Presidente Putin [15, 18] é adicional ao relatado benefício financeiro do próprio Putin. O ex-oligarca exilado Sergei Pugachev, que, durante o peródo quando era favorecido pelo Putin era conhecido como “o banqueiro de Putin”, declarou o seguinte: “Tudo o que pertence ao território da Federação Russa Putin considera dele. Tudo – Gazprom, Rosneft, empresas privadas. Qualquer tentativa de calculá-lo não terá sucesso. Ele é a pessoa mais rica do mundo até deixar o poder.” [16]. Apesar da Rosneft pertencer ao governo russo no papel, se o presidente Putin vê a empresa e seus lucros como parte de sua propriedade pessoal, então o conflito de interesses se estende às discussões dos planos da Rosneft na Amazônia.
A construção de rodovias na Amazônia desencadeia uma sequência de eventos que fogem ao controle do governo, apesar do discurso político afirmar que o futuro seguiria um “cenário de governança” [20]. Isso fica evidente no caso da BR-319, onde o discurso é desmentido pela contínua invasão de grileiros, posseiros e madeireiros ilegais ao longo da rota (ver [21, 22]). A abertura da vasta região “Trans-Purus” a oeste do rio Purus [10] pela AM-366 ameaça o bloco florestal mais crítico para manter os estoques de carbono da floresta e do solo que teriam consequências desastrosas para o planeta aquecimento se foram liberados [23-25]) e para manter a função da Amazônia na ciclagem de água que é fundamental para fornecer vapor de água aos ventos conhecidos como “rios voadores” que fornecem chuva para sudeste do Brasil, incluindo a cidade de São Paulo (ver: [26-30]). As mudanças na temperatura da água dos oceanos ligadas ao aquecimento global iniciaram um novo nível de risco de seca nesta parte do Brasil (e nos países vizinhos), como ocorreu em 2014 e 2021, tornando a manutenção das florestas da região Trans-Purus e seu abastecimento de água através dos rios voadores ainda mais críticos para os interesses nacionais do Brasil [31, 32].
Fonte: Amazônia Real