Tecnologia que reaproveita água e resíduos é destaque no portfólio de investimentos em bioeconomia que despontam no Polo Industrial de Manaus
O pirarucu, maior peixe de água doce do planeta, capaz de atingir cerca de 3 metros e até 200 quilos, é um recurso da biodiversidade de elevado potencial econômico na Amazônia, com mercados que vão da carne, aplaudida por número crescente de chefs de cozinha, até o couro, atrativo para acessórios de luxo na moda.
Atualmente, investimentos em tecnologias de ponta chegam com o propósito de superar entraves, garantir qualidade, valorizar o pescado e aumentar a escala no mercado, por meio da produção automatizada em cativeiro, com alta eficiência e redução de impactos ambientais. E um diferencial: a integração de negócios nos diversos elos da cadeia da piscicultura – do fornecimento de alevinos (filhotes) para recria nos tanques ao beneficiamento e venda aos clientes finais.
No centro das atenções está a plataforma Gigasus, inovação que nasceu a partir da expertise do pesquisador Esner Magalhães, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), agora em desenvolvimento como solução de negócio para a piscicultura na Amazônia, na expectativa de replicação no restante do País.
O projeto, executado pelo Instituto Creathus, recebe aporte de investimento de empresas do Polo Industrial de Manaus, no âmbito do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), instituído pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). O mecanismo canaliza recursos para soluções de negócio nas cadeias produtivas da floresta, mobilizando para o setor investimentos obrigatórios previstos na Lei de Informática, em contrapartida pelos incentivos fiscais na Zona Franca.
“A integração entre tecnologia da informação (TI) e a bioeconomia permite escalonar produtos e serviços que promovem o desenvolvimento da Amazônia, passando a ser vista como fornecedora de soluções para o Brasil como um todo”, afirma Carlos Koury, diretor de inovação em bioeconomia do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), ONG que coordena o PPBio com a construção de pontes entre as universidades, instituições tecnológicas e startups e a demanda do setor industrial para investimentos em negócios inovadores. Após três anos, o programa contabiliza 26 projetos com aporte total de R$ 30 milhões por empresas investidoras em Manaus.
“A produção piscícola é uma vocação adormecida na Amazônia, apesar da importância como pauta do uso sustentável da região, seja pelo manejo dos recursos naturais ou sistemas de cultivo intensivo”, aponta Koury, para quem é essencial “trazer o potencial amazônico para a economia real”. Segundo dados da Associação Brasileira de Piscicultura, a produção nacional de peixe de cultivo cresceu 5,9% em 2020, com 802,9 mil toneladas. No entanto, a oferta de peixes nativos recuou 3,2%, sendo o Amazonas o quinto principal produtor. No total da piscicultura, a Região Norte constitui a terceira de maior produção, atrás do Sul e Nordeste.
A tecnologia embarcada em hardware e software possibilita avanços neste potencial. “A ideia é sermos a Apple da piscicultura no Amazonas”, ilustra Esner Magalhães, pesquisador do Departamento de Ciências Pesqueiras da Ufam e criador da Gigasus. Além do componente digital que faz o gerenciamento da fazenda e monitora diversos indicadores para garantia de eficiência, a inovação abrange os layouts de produção em estrutura de tanques circulares suspensos, de alta capacidade produtiva – conforme protótipo demonstrativo em fase final de testes próximo a Manaus.
De acordo com as pesquisas, em 1 hectare com tanques suspensos pode-se produzir mais do que em 5 hectares de lâmina d’água no sistema de piscicultura convencional, em viveiros escavados – produtividade estratégica para o ganho de escala empresarial, mesmo para sistemas de produção familiar.
O resultado se deve à maior eficiência no controle dos ciclos produtivos e ao adensamento da quantidade de animais, o que significa produzir mais com menos área, sem a necessidade de suprimir a vegetação de forma tão impactante pelo desmatamento, bem como menor uso de recursos hídricos e insumos e redução de impactos por resíduos. “Além da recirculação de água, os efluentes da piscicultura podem ser utilizados como fertilizante para nutrir a produção de hortaliças, citrus, macaxeira e outros, ampliando o espectro de soluções – atreladas à atividade – com potencial de negócio”, explica Magalhães.
Segundo o engenheiro de pesca, o objetivo é gerar negócios e promover práticas cada vez mais seguras sob o ponto de vista social e ambiental, aliando piscicultura de alta escala à conservação, com descarte-zero, dentro de uma modelagem que se encaixa no conceito de “bioeconomia circular”. Diante do atrativo dos peixes amazônicos, é crescente a demanda por rastreabilidade e segurança sanitária, com garantia de origem do produto, na expectativa de expansão em mercados como o europeu e americano.
O desafio, com a piscicultura, é dinamizar um mercado para além das limitações da produção extrativista, como no caso do pirarucu. No ambiente natural, a espécie – que, na década de 1990, chegou à beira da extinção – é fonte de renda em comunidades tradicionais ribeirinhas, com pesca em áreas autorizadas pelo órgão ambiental e regras de manejo visando a conservação dos estoques naturais.
A atividade contribui na questão social e proteção ambiental, mas esbarra em entraves “que também devem ser enfrentados para alçar mercado juntos – tanto o pirarucu de manejo como o de cultivo”, afirma Koury. Ele destaca a importância do aumento do volume de produção de pirarucu regional suficiente para que novos mercados sejam estabelecidos.
Fonte: Um Só Planeta