“Precisamos olhar a dimensão humana da Amazônia”, diz Virgilio Viana

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Eleito pelo Papa para a Academia de Ciências do Vaticano, superintendente da Fundação Amazônia Sustentável afirma que futuro será cheio de empreendedores da bioeconomia

Foto: FAS / Divulgação

Virgilio Viana é um grande defensor de ações práticas para fazer o desenvolvimento sustentável sair do papel. Mais do que debates, discussões e hashtags, ele explica que os desafios da Amazônia nos impõem uma concretude nua e crua, que envolve e exige comprometimento por parte de toda a sociedade. E fala como alguém que conhece a fundo a floresta.

Há três décadas que Viana estuda, entre outros temas, formas de preservação da Amazônia e modelos para a economia verde. PhD pela Universidade Harvard e pós-doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade da Flórida, ambas nos Estados Unidos, ele foi o primeiro secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, entre 2003 e 2008, onde reduziu o desmatamento em 70%.

No ano passado, ele foi indicado pelo Papa Francisco a integrar o grupo de trabalho sobre Ética da Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano. A sociedade científica é responsável por fazer a ponte entre debates da academia e da igreja Católica. Como membro da academia, o brasileiro será uma espécie de porta-voz para a igreja das problemáticas amazônicas, como o desmatamento e as ameaças à manutenção dos povos originários.

Ser “ponte”, inclusive, é uma das principais atribuições do superintendente da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), ONG que completa nesta semana 14 anos de atividades na região. Com atuação em 16 Unidades de Conservação (UCs) no Amazonas, a FAS promove uma rede de ações socioambientais que impactam positivamente a floresta e mais de 41 mil pessoas em 647 comunidades do estado.

Em 2021, a FAS foi escolhida como a melhor ONG do Brasil no prêmio Melhores ONGs, o que representa um reconhecimento por suas boas práticas em quesitos como governança, transparência e financiamento. A homenagem ratificou a história da organização que tem auxiliado na conservação de 11 milhões de hectares da floresta amazônica. E floresta em pé é essencial para a prosperidade.

“A pessoa que está distante, está lá no Rio Grande do Sul, está sendo impactada negativamente pelo desmatamento. E não é só energia elétrica. Tem uma coisa muito importante que é o abastecimento dos rios. E os rios são abastecidos pela chuva. Que em grande parte tem sua umidade vinda da Amazônia. E da mesma forma a agricultura. O plantio de milho, de feijão, de arroz, depende de chuva. Tudo está relacionado com a Amazônia”, explica Viana. “Desmatar a Amazônia é um mau negócio para o Brasil, e essa constatação está cada vez mais clara para a sociedade brasileira”, ressalta.

Em entrevista ao Um Só Planeta, Virgilio descreve como programas de educação e geração de renda, além de ações pela redução de emissões por desmatamento e degradação florestal, são essenciais para o desenvolvimento da Amazônia. E também explica a importância da preocupação social, e como o trabalho de empoderar as comunidades, fazendo com que elas sejam protagonistas na solução de problemas, contribui de maneira significativa na luta contra a devastação do ambiente. Confira.

O que é a Amazônia para você?

A Amazônia, para mim, é o campo de batalha, é o lugar de enfrentamento daquilo que eu vejo como principal desafio histórico do Brasil, que é não permitir que esse grande ativo brasileiro se transforme em cinza e em sangue. O que aconteceu na Mata Atlântica foi isso. Tivemos um avanço descontrolado do desmatamento, um aumento da devastação. E precisamos evitar que isso se repita na Amazônia. Esse é, para mim, o desafio. E é a isso que dedico minha vida há muitos anos.

Só na Amazônia, o desmatamento cresceu 29% em 2021 e foi o maior dos últimos 10 anos, conforme o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). É triste olhar o gráfico e ver o quanto que a devastação desse bioma está crescendo. Em resumo, o que você identifica que está dando errado?

São vários fatores que se somaram ao longo dos últimos anos. O aumento do desmatamento vem desde 2013: tivemos um nível baixo em 2012, seguindo uma série histórica de queda, e de 2013 para cá começou a ter um crescimento. Nos últimos três anos, de 2019 até hoje, teve uma explosão. Então talvez possamos dividir em dois períodos.

Mas, de maneira resumida, o desmatamento é fruto de uma engrenagem econômica movida por alguns agentes que ganham dinheiro com isso. Quem são esses agentes? A madeira ilegal, que é quem abre as estradas dentro da floresta para tirar o ipê, o cumaru, madeiras pesadas, de grande valor. Segundo, na sequência da abertura das estradas, vem a grilagem de terras [em grande medida associada à conversão de floresta em pasto] , que é um negócio muito lucrativo. E está associada ao desmatamento: para conseguir a documentação da terra, é necessário que se desmate um pedaço para que a documentação junto aos órgãos oficiais seja “esquentada”.

E aí temos uma atividade basicamente criminosa. Porque é apropriação de terras públicas, ou seja, patrimônio público, por grileiros de terras. Da mesma forma como é crime a apropriação de madeiras extraídas de maneiras ilegal dessas mesmas terras públicas. Então são esses dois crimes principais que movimentam uma engrenagem extremamente lucrativa e que movem a roda do desmatamento.

Do outro lado, temos a ação do governo: federal, estaduais e municipais. O que ocorreu, nos últimos anos, foi o enfraquecimento da atuação governamental, em todos os níveis, em função de diversas razões: desde cortes de orçamento do Ministério do Meio Ambiente até o congelamento do Fundo Amazônia, que foram somados a uma narrativa, em especial do governo federal, favorável aos atores do desmatamento. Houve uma “licença política” a esses atores.

Se, por um lado, a atuação governamental se enfraquece, por outro, também temos visto um aumento de interesse e cobrança da população. Isso faz a diferença?

Como resultado dessa explosão do desmatamento nos últimos anos, houve um aumento muito relevante do interesse da sociedade sobre o tema. O lado ruim trouxe uma coisa boa. Isso entrou em alguns segmentos da sociedade que até então não eram muito envolvidos: grandes bancos brasileiros, grandes empresas brasileiras, fundos internacionais de investimento, que passaram a escrever cartas públicas, [assumir] compromissos públicos. E isso criou um fato novo. Deixou de ser apenas da alçada ambiental e passou ao Ministério da Economia também.

A partir do momento em que o mercado europeu se fecha a alguns produtos do agronegócio brasileiro, isso tem impactos na economia. Então o que vimos foi uma entrada de outros atores, que é muito bem-vinda. E também um aumento muito grande de preocupação da sociedade como um todo. Muitas pesquisas de opinião têm captado isto: a sociedade brasileira, majoritariamente, é contrária ao desmatamento da Amazônia.

A sociedade brasileira finalmente parece estar acordando para o fato de que desmatar a Amazônia é burrice para o país. É contra o interesse nacional de todos os brasileiros. Desmatar a Amazônia é apenas do interesse de apenas alguns poucos agentes, que retiram madeira ilegal de terras públicas, que grilam terras públicas, narcotraficantes e garimpeiros que investem nisso. São pouquíssimos atores. Mas geram prejuízos para todos nós.

Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), mostrou que o desmatamento na Amazônia cresceu 56,6% no atual governo federal, com perdas acentuadas durante as eleições presidenciais no segundo semestre de 2018. O aumento do desmatamento em ano eleitoral é uma preocupação também em 2022?

Tudo indica que estamos ainda em uma trajetória de aumento do desmatamento. Vale lembrar que muitas leis que foram aprovadas no Congresso recentemente acabam estimulando o desmatamento. A questão da grilagem de terras [por exemplo]: a legislação está mais favorável do que era no passado. E se a grilagem é um fator muito importante na engrenagem econômica do desmatamento, essas leis que foram aprovadas criam as condições para isso.

Por outro lado, o orçamento da área ambiental está reduzido. E, por fim, tem uma perspectiva de mudança de governo. Então há, parece, um “clima” na Amazônia de “vamos aproveitar enquanto está livre para passar a boiada”. O cenário é de aumento do desmatamento neste ano de 2022.

Como tem sido sua atuação como membro da Pontifícia Academia das Ciências Sociais do Vaticano?

Tenho mostrado que precisamos olhar não apenas para o problema do desmatamento em si. Mas ver isso como fruto de uma engrenagem complexa. Ver o mundo de forma complexa é difícil, mas necessário. Temos que ver a relação entre o cuidado à primeira infância e a capacidade desses cidadãos, no futuro, aprenderam como fazer um manejo sustentável com as técnicas mais modernas que a ciência e a tecnologia desenvolverem. Temos que olhar o desafio da Amazônia como algo que vai muito além do policiamento – ainda que isso seja importante. Precisamos olhar a dimensão humana.

São pessoas que vão tomar a decisão de cortar ou não a floresta. E se essas pessoas não tiverem estímulos, não vão se desenvolver como cidadãos de maneira apropriada. Temos um desafio na educação pública para fazer uma metamorfose profunda. Para trabalhar a ponte entre o saber tradicional e o conhecimento científico voltados para a valorização da floresta em pé. O futuro sustentável é um oceano cheio de pequenos empreendedores da bioeconomia.

Estamos em um momento do planeta em que estamos na UTI. E não podemos tirar o soro que mantém a vida do paciente. O soro que mantém a vida humana na Terra é a natureza. O ar que nós respiramos, a água que a gente bebe é fruto da natureza. E temos que cuidar muito melhor. Talvez a grande referência internacional nesse sentido seja o papa Francisco. Que conclama a humanidade, não apenas os cristãos, os católicos, a fazer uma revolução por uma ecologia integral. Mudar profundamente o sistema de produção, os padrões de consumo. Temos que repensar nossas vidas. Estamos consumindo em excesso.

Como usar menos energia? Como transitar mais rapidamente para carros elétricos? Como usar mais bicicletas? Como instalar mais energia solar? É essa revolução profunda que pode gerar milhões de empregos.

Fonte: Um Só Planeta

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