Ou o Brasil acaba com a grilagem, ou a grilagem acaba com a Amazônia

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O avanço vertiginoso do desmatamento ilegal em terras públicas

Divulgação

Em 2019, a Campanha Seja Legal com a Amazônia pôs em prática, em pleno coração da cidade de São Paulo, um protesto de grande valor demonstrativo. Placas instaladas em frente ao Parque Trianon, uma área pública às margens da Avenida Paulista, anunciavam que o parque seria loteado e vendido para dar lugar a um empreendimento imobiliário. A reação dos passantes na movimentada avenida foi então monitorada. A indignação foi geral. Como um parque público poderia estar à venda? É um patrimônio paulistano!

A ocupação e venda de milhares de milhões de Parques Trianon acontece todos os anos na Amazônia e sem uma aparente indignação. Atualmente, a maior parte (50%) da destruição florestal nos últimos três anos na região ocorreu em terras públicas. E cerca de um terço desta destruição na região atingiu as chamadas “Florestas Públicas Não Destinadas” (FPNDs). Estas florestas que, por lei, devem ser destinadas pelos governos para conservação ou uso sustentável de seus recursos, cobrem uma área equivalente a duas vezes o Estado de São Paulo, cerca de 57 milhões de hectares. Um patrimônio público de valor inestimável e que tem um único dono: os brasileiros!! Um patrimônio que está, portanto, sendo literalmente usurpado! Até 2020, 3.5 milhões de hectares destas florestas públicas já tinham sido desmatados ilegalmente para fins de especulação imobiliária.

O principal motor do desmatamento nas FPNDs tem sido a grilagem. Definida como o ato de ocupar ilegalmente a terra pública, por meio do uso fraudulento de documentação de posse ou de propriedade, a grilagem vem se tornando prática comum na região. Num passado mais distante, a fraude documental mais comum era conferir, a um suposto documento de posse da terra invadida, um aspecto envelhecido. Assim, o invasor de terra pública conseguia argumentar que tinha a posse antiga de uma determinada área. Este envelhecimento era obtido colocando-se o documento falso dentro de uma caixa cheia de grilos. Os insetos, então, deixavam o papel amarelado e corroído, dando-lhe aparência antiga desejada. É daí que vem o termo grilagem.

Atualmente, a caixa de grilos está aposentada. Um estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, o IPAM, mostrou que os invasores de terras públicas na Amazônia, os grileiros, estão agora mais sofisticados.

O CAR, que está previsto no Código Florestal, exige que todo imóvel rural seja registrado no Cadastro para fins de sua regularização ambiental. A fraude acontece quando o CAR do imóvel é usado pela grilagem como instrumento fundiário para comprovar a posse de uma terra pública invadida. Este uso indevido do CAR tem inclusive permitido o levantamento de fundos lícitos e ilícitos para financiar o desmatamento da FPNDs e a posterior formação de pastagens. Algo que eleva o preço da terra pública invadida no mercado imobiliário.

O estudo do IPAM também indicou que existem hoje mais de 100 mil CARs declarados ilegalmente como propriedade privada sobre estas florestas públicas. Em 2018 a área de FPNDs declarada ilegalmente no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) como imóvel rural chegava a 11 milhões de hectares. Dois anos depois este número já atingia 16 milhões de hectares. E continua crescendo.

A área de floresta pública ilegalmente declarada como imóvel rural representa uma verdadeira bomba relógio de desmatamento a ser detonada nos próximos anos. Prova disto é que, até 2020, mais de 65% do desmatamento ilegal nestas florestas públicas ocorreram em áreas com CARs ilegais.

Para conter a grilagem, portanto, será preciso pelo menos duas ações fundamentais e urgentes: primeiro deve-se por fim no uso fraudulento do CAR para viabilizar a ocupação e o desmate das FPNDs; a segunda é destinar, como exige a lei, estas FPNDs para proteção ou uso sustentável de seus recursos. As declarações de propriedades sobre terra pública, portanto, não podem ser mais aceitas pelo SICAR e os procedimentos de destinação das FPNDs devem ser retomados pelos Estados e pelo governo federal. Além disto, será preciso, também, que se retome a fiscalização e a punição a grileiros que invadem e desmatam terras públicas. A capacidade operacional das agências de controle deve ser restabelecida e fortalecida.

Ainda, a demora na destinação das FPNDs colocará em xeque qualquer ação de controle e combate ao desmatamento na região nos próximos anos e nos fará assistir aumentos sucessivos da destruição florestal na região.

Acabar com a grilagem na Amazônia, contudo, é algo que depende quase que exclusivamente da vontade política dos governantes, já que a sociedade brasileira já demonstrou que tem a fórmula para reduzir drasticamente o desmatamento ilegal. Entre 2005 e 2014, foi possível reduzir em 70% do desmate na região e ainda, no mesmo período, aumentar a produção agropecuária. Temos, portanto, as ferramentas. Nos faltam governantes seriamente imbuídos para pôr fim à destruição da última grande floresta tropical do planeta.

Sermos indiferentes à grilagem na Amazônia é sermos coniventes com aqueles que furtam um patrimônio público de inestimável valor e os sonhos de um futuro mais sustentável para todos os brasileiros. Assim, o Brasil acaba com a grilagem, ou a grilagem acaba com a Amazônia.

Fonte: Um Só Planeta

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