Mineração ameaça povos indígenas isolados: 6- Lições dos resultados

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Por Sara Villén-Pérez, Luisa F. Anaya-Valenzuela, Denis Conrado da Cruz e Philip M. Fearnside

As mineradoras declararam interesse em aproximadamente 10 milhões de hectares de terras indígenas na Amazônia Legal brasileira, onde 43 grupos indígenas persistem isolados. A implementação dessas operações está pendente de aprovação do projeto de lei PL191/2020 que abrir terras indígenas à mineração. A situação é especialmente preocupante para 21 grupos isolados cujas terras concentram 97% de todos os pedidos de mineração, e a terra Yanomami, que protege sete grupos isolados na fronteira com a Venezuela, é a mais afetada tanto em número de solicitações quanto em área potencial de impacto (Figuras 2 e S-5). As solicitações de mineração atingem 15% da extensão total das terras indígenas que protegem grupos isolados na Amazônia Legal brasileira, percentual semelhante ao efeito para o conjunto completo de terras indígenas [1]. Notavelmente, os pedidos de mineração em algumas terras deixam pouco espaço para o propósito original de proteger os direitos indígenas. Este é o caso de terras de médio porte, como Xikrin do Rio Catete ou Baú, que relataram interesses minerários que abrangem aproximadamente 80% da área. O PL191/2020 não especifica nenhum limite superior para ocupação de terras indígenas pela mineração, portanto esses números poderão ser alcançados caso o projeto de lei seja aprovado pelo Congresso Nacional.

As áreas ricas em minerais coincidem com aquelas onde os grupos indígenas persistiram isolados, de modo que o número de pedidos de mineração está significativamente correlacionado com a presença de grupos indígenas isolados (Tabela 1Figura 4a). Os pedidos de mineração estão concentrados em duas partes da região: uma no estado de Roraima, e no extremo norte dos estados do Amazonas e Pará e outra no sul do Pará (Figura 3b). Essas áreas correspondem aos escudos da Guiana e do Brasil, respectivamente, que são mais ricos em minerais do que as áreas sedimentares ao longo do rio Amazonas ou no Acre e áreas vizinhas no Amazonas [2, 3]. Os povos indígenas isolados estão principalmente ao longo das fronteiras oeste e norte do Brasil, onde tem havido relativamente pouca presença de brasileiros não indígenas em comparação com outras partes da região [4]. As áreas há muito expostas ao contato não-indígena ao longo do rio Amazonas e na parte leste da região têm poucos povos isolados (Figura 3a). Onde a concentração de grupos isolados e a concentração de minerais se cruzam, como na Terra Indígena Yanomami em Roraima e nas áreas Munduruku no sul do Pará, o resultado é desastroso. Além das áreas de escudo, onde rochas ígneas derivadas dos crátons resultam em altas concentrações minerais, as áreas sedimentares também estão ameaçadas devido a uma atração mineral diferente: petróleo e gás. O projeto “Bacia Sedimentar do Solimões” agora representa uma ameaça para os povos indígenas isolados na parte oeste do estado do Amazonas [5-7].

Notavelmente, descobrimos que as mineradoras hesitam em investir em terras com presença confirmada de grupos isolados (Tabela 2Figura 4b). Isso provavelmente ocorre porque um licenciamento de mineração pode ser mais provável de ser barrado se o projeto afetar povos isolados conhecidos e devido ao maior risco de reputação para as empresas. O texto atual do PL 191/2020 especifica que não serão permitidas operações de mineração dentro do perímetro frequentado por grupos isolados, mas não especifica nenhum status de prioridade para grupos isolados classificados como “confirmados”, em comparação com aqueles “em estudo” ou “sob informação”. No entanto, as mineradoras podem estar cientes de que, na melhor das hipóteses, a FUNAI poderá fornecer informações sobre o perímetro utilizado por grupos categorizados como confirmados, para os quais mais informações estão disponíveis [8, 9]. Como consequência, evitam solicitar licenças de mineração em terras com grupos isolados “confirmados”, mas não naquelas com grupos em estudo ou “sob informação”.

O comportamento das corporações e outros atores econômicos têm sido objeto de considerável pesquisa e teoria no campo da economia. Um fator importante nessas decisões é o grau de aversão ao risco dos diferentes atores, e isso está relacionado ao tipo de risco e ao tamanho da empresa ou outro ator que está considerando um empreendimento. Atores maiores têm consistentemente se mostrado menos dispostos a assumir grandes riscos (por exemplo, [10]). Pode-se esperar que isso seja particularmente importante para riscos de reputação [11, 12]. Danos à reputação de uma grande empresa podem afetar os lucros em uma ampla gama de atividades da empresa além da área específica do empreendimento em questão. Em termos de mineração na Amazônia, os atores vão desde garimpeiros individuais até grandes empresas internacionais. Os garimpeiros têm pouca preocupação com sua reputação, mas os atores que solicitam licenças de prospecção e operação geralmente são corporações. Nossa descoberta de que os pedidos são significativamente menos prováveis de serem apresentados para áreas indígenas com grupos isolados bem conhecidos do que em áreas sem grupos isolados ou que carecem de informações confiáveis sobre esses grupos é consistente com o efeito esperado de aversão ao risco reputacional.

Este novo resultado destaca a necessidade urgente de estudar e confirmar a existência de todos os grupos isolados para sua proteção, primeiro para dissuadir as empresas de investir em suas terras e depois para poder fornecer informações sobre sua localização caso o projeto de lei PL191/2020 seja aprovado. Mesmo nos últimos tempos, novos grupos isolados são registrados em um ritmo muito mais rápido do que são estudados: na década de 2006 a 2016, o número de grupos “sob informação” ou “em estudo” aumentou em 36, enquanto apenas 7 grupos foram “confirmados” [13]. Apenas mais um grupo foi confirmado até 2019 [8], e esse tipo de atividade da FUNAI está quase completamente paralisado desde que Bolsonaro assumiu o cargo em janeiro de 2019 [14]. Aqui demonstramos empiricamente que as atividades da Coordenação Geral dos Povos Indígenas Isolados e Recentemente Contatados da FUNAI e organizações não governamentais como o Instituto Socioambiental (ISA) são essenciais para a proteção de grupos indígenas isolados. Por isso, instamos o governo a dar condições operacionais e financeiras à Fundação Nacional do Índio para continuar estudando os 91 registros não confirmados de grupos indígenas isolados na Amazônia Legal brasileira.

Nossos resultados indicam que, embora a mineração ainda não seja permitida em terras indígenas, as mineradoras são muito ativas na busca de áreas exploráveis (ver proporção de pedidos de pesquisa no Material Suplementar Figuras S-3 e S-4). Parece que essas empresas querem estar bem-posicionadas para a abertura de terras indígenas à mineração [15]. Embora a pressão sobre as terras indígenas seja menor do que no caso das unidades de conservação (áreas protegidas da biodiversidade) onde a atividade de mineração é explicitamente permitida [16], parece que os custos de investir em terras indígenas são vistos como justificado financeiramente. As posições e decisões políticas do governo são fundamentais para proteger grupos indígenas isolados. Invasões ilegais e mineração em terras indígenas aumentaram muito em 2019, 2020 e 2021, juntamente com as taxas de desmatamento [17-21]. O aumento decorre da falta geral de fiscalização na Amazônia, juntamente com o discurso perverso do presidente do Brasil e seu ministro do Meio Ambiente [22, 23]. Centenas de lideranças indígenas e cientistas levantaram suas vozes contra as políticas do presidente Bolsonaro, mineração ilegal e projeto de lei PL191/2020, que consideram um projeto de genocídio, etnocídio e ecocídio [24-31]. Povos indígenas isolados são ainda mais vulneráveis a violações de direitos humanos [32, 33] e às consequências de pandemias como a COVID-19 [34-36].

Inicialmente, levantamos a hipótese de que os pedidos oficiais de mineração coincidiriam com os pontos de mineração ilegal, aumentando a pressão sobre as áreas que já sofrem o impacto das atividades ilegais, mas nossos resultados mostram que esse não é um padrão generalizável (Tabela 2). Por exemplo, a Terra Indígena Vale do Javari, que protege 16 grupos isolados, tem sido repetidamente invadida por garimpeiros ilegais [30], embora não haja pedidos oficiais de mineração registrados para esse território. Essa dissociação pode ser explicada porque a mineração ilegal concentra-se em um conjunto menor de minerais do que a mineração industrial realizada por empresas e, como consequência, suas distribuições não necessariamente se sobrepõem [37]. No entanto, atenção especial deve ser dada aos territórios onde os pedidos de mineração se somam à mineração ilegal atual. O exemplo mais marcante é a terra Yanomami, que historicamente sofre com invasões de garimpo ilegal. A mortalidade durante uma invasão maciça desta terra por garimpeiros, mais conhecidos pelo massacre de Haximu em 1993, deixou uma marca clara na estrutura demográfica dos Yanomami sobreviventes [38]. Em 2021 os Yanomami estão enfrentando uma nova invasão em larga escala por garimpeiros ilegais de ouro [39]. Eles pediram ajuda em sua luta contra a invasão de garimpeiros e os riscos associados de epidemias [31, 40], mas são “totalmente abandonados” pelas autoridades do governo brasileiro para enfrentar essa ameaça [41]. Grupos isolados na Terra Indígena Yanomami podem estar em alto risco de contato, pois as pistas de pouso e garimpo ilegal estão a apenas 5 km de distância de alguns deles [8, 42].

Conclusão

Indígenas em protesto contra o PL 191 no ATL22 (Foto: Juliana Pesqueira/Proteja Amazônia/Apib)

 

Aqui mostramos que, caso o projeto de lei PL191/2020 seja aprovado, as terras indígenas da Amazônia Legal brasileira poderão ser legalmente invadidas para mineração e outras atividades, até o ponto de ocupar completamente muitos desses territórios [16]. Isso causaria danos incalculáveis não apenas aos povos indígenas, mas também aos serviços ecossistêmicos prestados por essas florestas protegidas [43]. Pela primeira vez, quantificamos a ameaça que a mineração impõe a povos isolados na Amazônia brasileira em um futuro próximo. Terras indígenas com grupos isolados estão ameaçadas por mais de 3.600 pedidos de mineração até o momento, e a Agência Nacional de Mineração do Brasil está trabalhando para atrair ainda mais investidores [15]. Espera-se que o interesse pelas terras indígenas do Brasil aumente se a atividade de mineração for oficialmente permitida, como ocorreu nas porções amazônicas de países vizinhos [17].

Embora o Brasil tenha políticas robustas voltadas à proteção de povos indígenas isolados, as dificuldades de governança na Amazônia têm se agravado no atual cenário político brasileiro, e não há garantia de uma coexistência segura entre operações de mineração e povos indígenas isolados. Além disso, demonstramos que a paralisação das atividades da FUNAI os coloca em risco no longo prazo, pois o estudo de grupos isolados, agora paralisado, serve para protegê-los. Nossos resultados indicam que o governo deve investir no estudo das localizações e vulnerabilidades dos grupos indígenas isolados relatados na Amazônia Legal brasileira antes de permitir qualquer aumento da pressão de desenvolvimento que possa resultar em contato indesejado e consequente extinção de povos, sociedades e culturas únicas. [44]

Fonte: Amazônia Real

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