Uma nota técnica do MEC (Ministério da Educação) aponta um “cenário de total precariedade” da oferta educacional na Terra Indígena Yanomami. Obtido pela reportagem, o documento mostra que, das 26 escolas públicas no território, 11 estão com as portas fechadas.
Todas as unidades inativas são de responsabilidade de Roraima. Mesmo entre as escolas abertas, todas no estado do Amazonas, infraestrutura e formação docente estão em condições mínimas. Das 15 em atividade, 11 funcionam em locais inadequados, como galpões, ranchos, paióis ou barracões.
Só uma conta com abastecimento de água regular e 13 nem sequer dispõem de energia. Dos 144 docentes vinculados às escolas em funcionamento, 23 concluíram somente o ensino fundamental, 75, só o ensino médio e somente 46 deles têm formação superior. Apenas quatro docentes são concursados efetivos.
O povo yanomami vive uma tragédia humanitária. A situação é reflexo do garimpo ilegal que avançou no território indígena, que faz fronteira com a Venezuela e, no Brasil, passa por municípios de Roraima e Amazonas.
Pelo menos 570 crianças yanomamis morreram por contaminação por mercúrio, desnutrição e fome.
A nota técnica foi encaminhada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania com o objetivo de subsidiar as ações. Questionada, a pasta de Direitos Humanos não respondeu à reportagem.
As secretarias de educação de Roraima e Amazonas afirmaram que cumprem com a obrigação da oferta educacional na terra Yanomami.
O diagnóstico foi realizado pela Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) do MEC. A subpasta foi recriada no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e abrange as políticas de educação indígena.
A educação escolar diferenciada para os povos indígenas é fundamentada em diferentes princípios, como o da organização comunitária e da interculturalidade. O documento do MEC ressalta que a legislação exige ação colaborativa de estados e municípios.
Há uma série de peculiaridades nessa oferta, como a anuência dos líderes para a contratação de professores.
No Amazonas, 13 escolas são municipais e as outras duas, estaduais. As unidades estão nas cidades de Santa Isabel do Rio Negro, São Gabriel da Cachoeira e Barcelos. No caso de Roraima, as unidades sem funcionamento ficam em Alto Alegre, Amajari e Caracaraí.
No total, o MEC registra pouco mais de 2.317 matrículas de crianças e adolescentes indígenas no território yanomami. Cerca de metade está em escolas municipais, e a outra metade, vinculada ao estado do Amazonas.
As escolas também apresentam indicadores piores de aprovação e abandono. A taxa de distorção idade-série é de 47% nas escolas da terra yanomami para os anos finais do ensino fundamental, contra uma média de 21% -esse índice mede o percentual de crianças com dois anos ou mais de atraso escolar.
O professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) Gersem Baniwa diz que o cenário no território reflete a realidade da educação indígena do país, sobretudo na região Norte. Ele cita como um dos entraves para a qualificação da infraestrutura a falta de um arcabouço legal adequado às dificuldades e os altos custos de construção em locais isolados.
“Há enorme dificuldade para resolver essa situação, não por falta de conhecimento, interlocução e pressão do movimento indigenista”, diz. “Até hoje, no entanto, o Estado brasileiro como um todo nunca encontrou e implantou uma política pública adequada para essas realidades.”
O país tem 3.300 escolas indígenas, um terço das quais fica no Amazonas e quase todas em terras indígenas. Metade não tem esgoto sanitário, 30% não têm energia elétrica e só 3 em cada 10 têm acesso à internet, segundo levantamento do Instituto Unibanco com dados de 2020.
As escolas que oferecem educação indígena concentram 274 mil matrículas.
Professor indígena, Gersem Baniwa já integrou o CNE (Conselho Nacional de Educação). Para ele, lidar com a tragédia yanomami passa também pela educação.
“O acesso à educação é fundamental para muitas coisas, como pensar a alimentação nesse contexto atual e, também, formas de proteção do território. Formar uma comunidade é importante para não depender apenas de um líder”, diz.
Presidente da Undime de Roraima, Sueli Magalhães defende ser importante que a oferta escolar indígena seja no território e na língua local, com respeito às culturas. A Undime representa os dirigentes municipais de educação.
“São desafios grandiosos, mas que a situação atual sirva para que políticas públicas, por meio do governo federal e estados, possam apoiar os municípios e essas escolas. Há dificuldades de chegar material, professores, de ter professores formados nas áreas e na língua materna de cada etnia.”
Menos da metade das escolas indígenas (48%) usa material didático em língua indígena ou bilíngue (em língua indígena e em língua portuguesa). A maioria (74%), no entanto, ministra aulas em língua indígena.
Em nota, a Secretaria de Educação de Roraima afirmou que as unidades estão desativadas por “não seguirem um ritmo regular de funcionamento”. A pasta disse que não há docentes suficientes porque há dificuldades de contratação, como a falta de pessoas com formação, problemas de acesso e também por causa de conflitos na região.
A pasta ainda citou a interrupção das atividades escolares no território por causa da pandemia de coronavírus. Uma portaria de abril de 2022 garantiria o retorno das atividades.
Roraima tem 226 escolas indígenas. As unidades atendem juntas 17.279 estudantes.
A secretaria defendeu que tem ações para reformar escolas indígenas, deu posse a 548 professores indígenas em agosto e formou no ano passado 36 docentes para a etnia yanomami. Está prevista a formação de mais duas turmas neste ano.
Também em nota, a secretaria de Educação do Amazonas informou que formou 34 professores indígenas na região e há 51 alunos yanomamis cursando o Magistério Intercultural Indígena.
A pasta oferta educação indígena para 32 municípios, com 64 etnias, em diferentes situações de contato. Em 2023, a secretaria registrou 9.464 alunos indígenas matriculados.
Ainda segundo a nota, integrantes da secretaria de Educação do Amazonas estiveram no início do ano no território Yanomami para fazer um levantamento sobre possíveis ações e conversar com as comunidades. A pasta aguarda informações sobre demanda de matrículas para organização de turmas.
*Com informações do site Yahoo