A Natura inaugurou em fevereiro a primeira agroindústria de óleos essenciais dentro de seu universo de comunidades fornecedoras da Amazônia. A planta de Santo Antônio do Tauá (na foto acima), a 56 quilômetros de Belém, no Pará, promete mudar a vida de cem famílias da região.
Os produtores já vendiam plantas como capitiú, estoraque, pataqueira e priprioca – utilizadas em produtos da linha Ekos –, mas sempre para um intermediário, responsável pelo processamento.
A implantação de uma estrutura industrial, ainda que de pequeno porte, no meio de uma região extrativista representa uma mudança significativa no modo de produção local.
A matéria-prima bruta agora passa por um tratamento inicial da própria comunidade de Campo Limpo. A expectativa é que sejam processadas cerca de 150 toneladas anuais de cultivos locais.
Das 48 comunidades amazônicas com as quais a Natura mantém contratos de fornecimento, 18 já possuem agroindústrias. Nem todas foram construídas em parceria com a companhia, mas a ideia da empresa é cada vez mais levar a agregação de valor para perto de onde vêm os insumos.
Essa transformação da agricultura familiar costuma ser apontada como uma das chaves para o desenvolvimento sustentável na região. Mas a tarefa não é simples. Mudar a realidade dos pequenos agricultores exige dinheiro e conhecimento.
Isso sem contar a infraestrutura básica de água e luz e esgoto, bem como a logística: a produção precisa ser escoada, um problema especialmente complicado para populações remotas ou somente acessíveis por rios.
O modelo não é facilmente replicável, diz o pesquisador Marcelo Elias dos Santos, que estudou a relação entre comunidades e a Natura em sua tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo (USP).
“Toda comunidade tem a sua história, o seu patrimônio genético e a sua biodiversidade. Cada uma tem suas peculiaridades de manejo, gente e volume de produção”, pontua ele.
Ainda assim, a pequena planta de Campo Limpo, no município de Santo Antônio do Tauá, mostra um caminho – e também os desafios – para uma bioeconomia amazônica sustentável.
Garantia de fornecimento
A Natura não revela o valor do investimento, mas o custo estimado para a implantação de uma agroindústria básica pode chegar a cerca de R$ 1,5 milhão, nas contas do gerente-sênior de suprimentos da companhia, Mauro Corrêa da Costa.
A contrapartida é a preferência na compra da produção, mas a fábrica também pode fornecer para terceiros. “Para você praticar o biocomércio ético você não pode exigir um contrato de exclusividade”, explica Costa.
O acesso às matérias-primas da floresta é importante, mas não é o fator decisivo, diz João Moura, vice-presidente de suprimentos da Natura. A diferença está nas fórmulas e no processo de fabricação.
Mas garantir os insumos é parte do interesse da companhia. O investimento faz parte do plano de passar dos atuais 42 para 55 ingredientes da sociobiodiversidade amazônica nos produtos até 2030.
Para as cerca de cem famílias da região, o benefício tem várias dimensões. O primeiro é o aumento de renda. A Natura estima que, com o processamento das plantas, a receita bruta cresça 60%, passando de R$ 800 mil anuais hoje para R$ 1,3 milhão.
Além das espécies nativas usadas nos cosméticos, o plantio de hortifrutis orgânicos é o outro motor da economia local.
Contenção do êxodo
Como em tantas outras comunidades daquela área, a perspectiva da vida difícil no campo leva as nova gerações a buscar alternativas, às vezes bem longe dali.
“Parece que todo paraense quer ir para Santa Catarina”, diz Dilma Lopes, presidente da Aprocamp, a associação local de produtores rurais que administra a fábrica. Ela fala em tom de brincadeira, mas na região esse é um problema real.
Evitar a migração dos jovens para cidades maiores, no Pará ou em outros Estados, é um dos impactos esperados com a planta de processamento.
A agroindústria deve gerar mais 25 empregos na comunidade – hoje, são 75 pessoas envolvidas no fornecimento de matérias-primas da Natura. E boa parte desses postos devem ser ocupados por descendentes dos fundadores da associação.
Lopes diz que a permanência dos jovens no local e a transferência de conhecimento de geração a geração é a concretização do sonho dos fundadores da comunidade, que começou a se formar ainda na década de 1980.
“Nossos filhos, netos, estão aqui na nossa comunidade, acreditaram no trabalho, acompanharam os nossos fundadores. Eles estão acreditando cada vez mais [na perenidade das atividades]”, afirma ela, também filha de um dos pioneiros.
Plantas como a de Campo Limpo ainda são poucas no Pará, disse ao Reset o secretário de Agricultura Familiar do Estado, Cássio Pereira. Ele afirma que há um movimento se formando.
“Na Transamazônica, temos exemplos de fábricas de chocolate organizadas por cooperativas. No sul do Pará, temos agroindústrias de frutas.”
No ano passado, o governo estadual lançou um plano de bioeconomia que contempla a inserção das agroindústrias no universo da agricultura familiar.
Algumas iniciativas já existem, como os programas Pró Cacau e Pró Açaí, para o desenvolvimento de cadeias produtivas.
Fonte: Capital Reset/UOL.