Conheça a cientista que investiga o poder de cura da Amazônia

(Foto: Ana Branco)
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Proteger uma floresta é também descobrir como fazê-la se curar de suas feridas, tratar suas chagas abertas pelo desmatamento e fazê-la renascer das cinzas das queimadas. Na Amazônia, o caminho para a sobrevivência alia o conhecimento tradicional à ciência de vanguarda e à força da maior floresta tropical do planeta, afirma a ecóloga paraense Ima Vieira, uma das mais respeitadas especialistas em impactos do desmatamento e restauração do bioma.

A floresta está em Ima desde sempre. Levada pelo pai, que era juiz, cresceu nas matas da Ilha de Marajó, onde a riqueza da biodiversidade contrasta com a pobreza da população. Em Marajó estão os municípios com os menores IDHs do Brasil. Não falta comida, pois a floresta e os rios proveem, mas inexistem educação e saneamento.

— Meu pai gostava da natureza e herdei isso dele. Marajó é um lugar de extremos: de riqueza, a da natureza; e da pobreza, a humana. Aprendi desde muito cedo que não existem soluções isoladas e que você não pode separar o natural do social. Não existe bioeconomia sem sociobiodiversidade. Cresci vendo isso e levei para a vida — afirma.

Em sua trajetória, ela acompanhou os altos e baixos da conservação, o surgimento de desafios, as mudanças da política e do clima. E a cientista encontrou um porto seguro na certeza de que não resistem soluções únicas para conservar a Amazônia, mas que todas elas dependem de estar ancoradas em sua gente.

Ima é como a floresta, uma combinação de diversidades. Para ter visão mais ampla do uso da terra, se formou agrônoma, na Universidade Federal Rural da Amazônia. O mestrado foi em genética, na Universidade de São Paulo (USP). Queria entender a diversidade das plantas e lá foi ela estudar uma forrageira amazônica — que serve de alimentação para o gado. Uns matinhos desses “que as pessoas pisam sem nem notar” e que, tempos depois, foram gourmetizados, batizados com mais charme de pancs (sigla para plantas alimentícias não convencionais). Naquela época, “quase não se falava em desmatamento da Amazônia”.

Ima conseguiu uma bolsa no Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém. E lá conheceu cientistas como o americano Christopher Uhl.

— Uhl foi o primeiro que viu o papel da extração de madeira como um gatilho para impactos muito maiores, como as grandes queimadas, o desmatamento para expansão da pecuária, a degradação da floresta e sua consequente perda de biodiversidade. Ele achava importante influenciar políticas públicas. É dele a ideia da criação do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) — lembra.

O doutorado em Ecologia a levou à Escócia, na Universidade de Stirling, em 1996, para estudar com John Proctor, um dos maiores especialistas em impactos do uso do solo do mundo. No seu trabalho, Ima investigou o impacto de mudanças do uso do solo na região Bragantina, no Nordeste do Pará, onde a floresta começou a dar lugar a pastos, cidades e plantações há mais de dois séculos.

De volta à Amazônia, engravidou do primeiro de seus dois filhos, o que não a impossibilitou de continuar o trabalho de campo — ser mulher, afirma ela, nunca a impediu de trabalhar na floresta. Voltou também ao Emílio Goeldi, instituição da qual é pesquisadora titular e que passou a fazer parte de sua vida. Em 2005, se tornou a primeira mulher a dirigir o museu. Permaneceu no cargo até 2009 e hoje é professora dos programas de pós-graduação em Ciências Ambientais e de Botânica, no Pará, no próprio museu, na Embrapa, na Universidade Federal Rural do Pará.

Encontrou tempo para ser perita no Sínodo para a Amazônia a convite do Papa Francisco e atua ainda como assessora da presidência da Finep, além de membro da Academia Brasileira de Ciências.

Ima se notabilizou em investigar a resiliência da Floresta Amazônica ao desmatamento e às queimadas. E foi pioneira em derrubar a crença de que a Amazônia não se regenerava. Tem mostrado que a floresta pode voltar, evidenciando a importância das matas secundárias para sequestrar carbono e as formas de alcançar a restauração.

Trabalha em muitos lugares, mas continua a estudar a Bragantina, que se estende de Belém ao litoral do Pará — o mais degradado dos oito centros de endemismo (origem de espécies exclusivas, berços de biodiversidade) da Amazônia. Restam lá apenas cerca de 30% da floresta original. São as matas que a cientista Luciana Gatti, do Inpe, mostrou, em 2021, que já emitem mais CO2 do que absorvem, numa inversão perversa do papel da floresta.

— Não é verdade que a floresta não volta. Podemos recuperá-la. Não tudo, mas uma parte significativa. Restauramos biomassa. Com a biodiversidade é muito mais difícil, algumas espécies não voltarão. O aprendizado é longo.

A cientista investiga como a floresta se regenera sozinha, se deixada em paz. E também como pode ser auxiliada a crescer de novo. A melhor técnica depende do lugar e das circunstâncias.

— Restaurar não é sair plantando árvores. É conhecer a composição do que existia e selecionar as espécies com chances de recuperar. É preciso entender a dinâmica. São muitas as amazônias e numerosos os caminhos.

Com o novo governo, os índices de desmatamento diminuíram, mas o risco continua.

— Estou confiante de que vamos segurar o desmatamento. Mas também é preciso combater a degradação. Ela é a doença da floresta, e a Amazônia doente não cumpre todo o seu papel — enfatiza.

Aos 62 anos, a aposentadoria não está entre os planos.

— Não tenho coragem de me aposentar. Quero continuar em campo. Há tanto a descobrir, a fazer e a lutar. É preciso produzir mais ciência na Amazônia, reduzir a iniquidade. Eu sigo em frente.

*Com informações do site Um Só Planeta

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