Colapso da Amazônia: 16 perguntas ao cientista Carlos Nobre para salvar a floresta

(Foto: Rodrigo Cabral|ASCOM/MCTI)
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“Nós temos que realmente zerar o desmatamento, a degradação e o uso do fogo imediatamente, para ontem. Para salvar e proteger o planeta, combater a emergência climática e proteger a biodiversidade, não se pode fazer essa diferenciação desmatamento legal versus ilegal“, enfatiza Carlos Nobre, cientista brasileiro, ao apontar saídas para a preservação do bioma Amazônico.

Nobre, pesquisador que defende um novo projeto de desenvolvimento para a Amazônia, uma “bioeconomia da floresta em pé“, ressalta o potencial econômico da floresta preservada: “um hectare de restauração florestal, no preço do mercado de carbono hoje, já gera 200 a 300 dólares por ano e isso é muito mais, duas a três vezes, o que a pecuária na Amazônia gera de lucro”, destaca.

A entrevista é de Norbert Suchanek, jornalista e autor alemão especializado em cobertura de ciência ambiental desde 1988, enviada pelo autor ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Carlos Nobre possui graduação em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica e doutorado em Meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology – MIT. Foi pesquisador no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa e no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe. Exerceu funções de gestão e coordenação científicas e de política científica, atuando como presidente da Capes, diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – Cemaden, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI, chefe do Centro de Ciência do Sistema Terrestre – CCST-Inpe e coordenador geral do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos – CPTEC-Inpe. Também atuou na coordenação de experimentos científicos, como coordenador científico do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia – LBA, coordenador brasileiro do Anglo-Brazilian Climate Observations Study – Abracos e coordenador brasileiro do Experimento Amazalert entre instituições europeias e sul-americanas. Exerceu a presidência do International Advisory Group do Programa de Proteção das Florestas Tropicais do Brasil  PP-G7. É membro do Joint Steering Committee do World Climate Research Programme – WCRP, preside os Conselhos Diretores da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas – Rede Clima e do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – PBMC. Em maio de 2022, o climatologista foi eleito como Membro Estrangeiro da Royal Society, instituição destinada à promoção do conhecimento científico. Após Dom Pedro II, ele é o primeiro brasileiro a entrar para a lista. É também copresidente do Painel Científico para a Amazônia.

Eis a entrevista. 

No total, qual porcentagem da floresta amazônica já foi desmatada?

Em toda a Amazônia, 6,5 milhões de quilômetros quadrados originalmente de florestas já temos cerca de um pouco mais de um milhão de quilômetros quadrados desmatados, cerca de 18%. E nós temos outros 17%, também mais de um milhão de quilômetros quadrados de áreas degradadas, em vários estágios de degradação. A maior parte dessas áreas desmatadas e degradadas está no sul da Amazôniasul do Pará, norte do Mato GrossoSul do Estado do AmazonasRondôniaAcreSudeste da Bolívia e também um segundo arco de desmatamento que é entre 400 e 1.300 metros subindo para os Andes, no Peru, no Equador e na Colômbia.

Quão longe ou quão perto estamos do “ponto de não retorno” do ecossistema amazônico? Quão perto estamos do colapso da Amazônia?

De fato, não estamos longe do ponto de não retorno. Precisamos realmente zerar o desmatamento, a degradação e o uso do fogo imediatamente, para ontem. Deve ter uma moratória desse tipo de mudança do uso da terra, em todo o sul da Amazônia, porque ali está muito na beira do ponto de não retorno.

Nos últimos 40 anos, a estação seca está de 4 a 5 semanas mais longas em toda essa região de mais de dois milhões de quilômetros quadrados. A estação seca está 2,5ºC mais quente e 25% mais seca: além de ser mais longa, está com menos chuva. Em toda essa região a floresta já virou uma fonte de carbono, isto é, a floresta já libera mais carbono do que remove da atmosfera. Então, se continuarmos com o aquecimento global, com o desmatamento e a degradação, passaremos desse ponto de não retorno em não mais do que 20 a 30 anos, no máximo.

Por isso, é fundamental zerar o desmatamento, a degradação e o fogo na Amazônia imediatamente e passar a restaurar grande parte desses dois milhões de quilômetros quadrados desmatados e degradados. Precisamos restaurar grande parte dessa vegetação alterada.

De acordo com o programa de proteção da Amazônia (PPCDAm), o presidente Lula da Silva quer acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia brasileira até 2030. Isso significa que o desmatamento legal vai continuar?

Quase todos os países amazônicos, inclusive o Brasil, assinaram durante a COP26, em Glasgow, em 2021, um acordo, que hoje já 134 países do mundo assinaram, de zerar o desmatamento de todas as florestas do mundo até 2030. Então, essa deve ser a meta mais importante. Por mais que no marco legal brasileiro se permita desmatar 20% e em alguns lugares até 50 % na Amazônia. Na verdade, para proteger a Amazônia nós não podemos ter a consideração de desmatamento legal versus ilegal. Os governos dos países amazônicos, como a Colômbia, por exemplo, estão atuando numa direção de zerar todo o desmatamento. Então essa deve ser uma política do Brasil também.

Então para salvar é proteger o Planeta, combater a emergência climática e proteger a biodiversidade, não se pode fazer essa diferenciação desmatamento legal versus ilegal.

A meta do governo Lula de desmatamento zero até 2030 é suficiente para salvar a Amazônia?

Para salvar a Amazônia, há a necessidade de zerar o desmatamento, zerar toda a degradação até 2030 e manter a floresta com grandes projetos de restauração florestal. Nós lançamos na COP27, o Painel Científico para a Amazônia, que é um projeto de restaurar grandes áreas de toda a Amazônia, principalmente nessas áreas dos arcos de desmatamento. Chamamos esse projeto de “Arcos da Restauração Florestal”.

O atual PPCDAm quer ao mesmo tempo zerar o desmatamento e ampliar a área de floresta pública federal sob concessão florestal até 5 milhões de hectares para exploração de madeira seletiva. Isto faz sentido?

Amazônia têm um enorme potencial de exploração dos produtos da floresta em pé. Esse é o grande potencial econômico da Amazônia. Infelizmente, a exploração de madeira, a exploração seletiva de madeira é quase toda ilegal, ela leva uma enorme degradação da Amazônia. Esse não é o caminho para a Amazônia.

O que o governo Lula deveria fazer com as mais de 50 milhões de hectares de terras públicas não destinadas na Amazônia Legal?

É lógico que há uma enorme área de terras públicas não destinadas, chamadas terras devolutas. Na Amazônia temos 560 mil quilômetros quadrados de terras federais e estaduais não destinadas. É muito importante que elas sejam mantidas como florestas. Pode-se ter restauração florestal em grande escala em áreas que já foram desmatadas das terras públicas.

Já temos mais de 20 milhões de hectares desmatados em terras indígenas, unidades de conservação e nessas terras públicas não destinadas. Então, é muito importante ter um megaprojeto de restauração florestal, como o que nós lançamos na COP27, e que seja no mínimo 50 milhões de hectares. O Brasil pode ser o país com o maior projeto de restauração florestal do mundo, principalmente na Amazônia, mas também na Mata Atlântica e no Cerrado. Esse deve ser o grande caminho. Parte de terras não destinadas têm que ser usadas para a demarcação dos territórios indígenas, e parte para criar um grande número de unidades de conservação e sistemas agroflorestais bastantes produtivos para uma nova bioeconomia de floresta em pé.

Os governos Lula no passado foram responsáveis por grandes projetos hidrelétricos, como as duas grandes barragens no Rio Madeira e Belo Monte no Rio Xingu, ambas na Amazônia. Existe um risco de novas grandes hidrelétricas na Amazônia?

Sem dúvida não há mais necessidade de hidrelétrica para geração de energia no Brasil. Não há necessidade de grandes hidrelétricas na Amazônia, nem de pequenas hidrelétricas, por quê? Porque elas interrompem o fluxo dos rios, mudam toda uma ecologia que evoluiu em dezenas de milhões de anos. E você causa um enorme risco para os ecossistemas amazônicos de um modo geral e os ecossistemas aquáticos principalmente.

Várias fontes renováveis de energia, principalmente energia solar e a energia eólica, têm um enorme potencial e são mais baratas. E na Amazônia existe também a energia chamada hidrocinética [1] para os populações ribeirinhas. Não me parece que na política do terceiro governo Lula hidrelétricas voltarão.

Como o senhor avalia as usinas hidrelétricas existentes na Amazônia? Qual é a contribuição delas para a proteção do clima? Ou o contrário: as usinas hidrelétricas estão aquecendo o clima global?

De fato, os reservatórios de muitas hidrelétricas na Amazônia acabam sendo reservatório de matérias orgânicas que fluem pelos rios e ficam estacionadas ali. Elas não são mais transportadas até os oceanos e ficam nos fundos dos reservatórios. Aí há uma reação química com pouco oxigênio, anaeróbica como se fala, que gera o gás metano que sobe. Metano é um gás inúmeras vezes mais poderoso, como gás do efeito estufa, do que o gás carbônico. Esse é um problema.

Hidrelétricas com grandes reservatórios, como Belo Monte e Tucuruí, não são com emissão zero – é bom mencionar isso. Portanto, não há mais necessidade global de hidrelétricas para proteção do clima, para reduzir emissões.

Para o cientista Philip Martin Fearnside, a pavimentação da BR-319 é uma das maiores ameaças da Amazônia e vai aumentar o desmatamento. Qual a sua avaliação?

Estou completamente de acordo com o professor Philip Fearnside, um dos grandes cientistas amazônicos. Uma pavimentação da BR-319 vai trazer um enorme risco. Até porque o governador do Amazonas disse que, uma vez pavimentado, o governo criará estradas laterais leste-oeste que vão cruzar a BR 319 até o oeste do Amazonas.

E 95 % dos desmatamentos da Amazônia estão a 5,25 km de cada lado das estradas. Então, não é possível ter uma infraestrutura sustentável com estradas. A pavimentação da BR 319 e a proposta do governador do estado do Amazonas de construir estradas leste-oeste vai fazer explodir o desmatamento no maior estado com florestas tropicais. Então, não se deve pavimentar a BR-319.

Tem algum sinal de que Lula e seu governo vão concluir ou abandonar este projeto da BR-319?

Não é possível ainda fazer uma avaliação do sinal do governo Lula sobre abandonar ou não a pavimentação da BR-319, vamos esperar que o governo comece a pensar numa infraestrutura sustentável para a Amazônia. Espero realmente que o governo Lula não avance com infraestruturas que vão significar o aumento dos desmatamentos.

Como cientista climático, como avalia os projetos de exploração de petróleo e gás já existentes e os planejados nos estados amazônicos? A produção de petróleo e gás na Amazônia pode continuar e ainda expandir, como a Petrobrás e alguns políticos querem?

Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC e toda a Ciência já vêm dizendo há décadas que nós não temos mais que abrir novas explorações de carvão, petróleo e gás natural. Nós temos que reduzir em 50 % as emissões até 2030 e zerar as emissões até 2050.70% das emissões são queima de combustível fóssil global. Nós estamos com um enorme risco climático, veja o que está acontecendo com as ondas de calor na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia.

Então, não temos mais que explorar um único novo poço de petróleo, poço de gás natural e exploração de carvão. Não há a menor dúvida que não há mais como fazer isso em lugar nenhum no mundo, e muito menos no Brasil, porque o Brasil tem um gigantesco potencial das energias renováveis. Esse é o caminho do Brasil. Não temos mais que abrir novos poços de petróleo, carvão e gás natural.

Sobre o projeto de óleo e gás na Bacia Sedimentar do Solimões, uma das regiões mais preservadas da Amazônia. O governo Lula vai parar este projeto de petróleo?

De novo. A Petrobras, não se deve permitir exploração de novos poços de petróleo ou de carvão, ou de gás natural, em qualquer lugar do mundo, inclusive na Amazônia. Caso contrário, colocaremos o planeta numa trajetória de suicídio ecossistêmico, suicídio ambiental e até suicídio humano.

Como o senhor vê o risco da produção de biocombustíveis “sustentáveis” a partir do cultivo da cana-de-açúcar ou do dendê – ou soja e milho – na Amazônia?

Logicamente, nós não devemos permitir em hipótese nenhuma a expansão da produção de biocombustíveis, seja o bioetanol da cana-de-açúcar ou do milho, o biodiesel do dendê ou da soja na Amazônia, porque isso é um vetor do desmatamento.

A longo prazo, estamos falando aí de 20 anos pra frente, a fonte de energia sustentável são as energias solar e eólica. Os biocombustíveis poderão ser utilizados um pouquinho para bioquerosene de aviação, mas não pode mais ser um grande combustível para todo mundo, para todo Brasil. E, portanto, esse é o caminho que temos que tratar a eletrificação da frota. E lógico, o grande potencial hoje é o hidrogênio verde. O hidrogênio verde para ser um futuro combustível de caminhões e ônibus de longas trajetórias.

O senhor apresentou um projeto de reflorestamento na COP27, com a proposta de restaurar não menos que 50 milhões de hectares. O projeto tem apoio do atual governo brasileiro?

Sim, o Painel Científico para a Amazônia, do qual sou o copresidente, lançou a ideia do chamado “Arcos da Restauração Florestal” para restaurar pelo menos 50 milhões de hectares, principalmente em todo o sul da Amazônia, do Atlântico até a Bolívia. Nós também temos que restaurar o outro arco do desmatamento que é na parte andina da Amazônia, da floresta, entre 400 e 1.300 metros do PeruColômbia e Equador.

O estado do Pará já começou projetos muito importantes de restauração florestal e o Ministério do Meio Ambiente está discutindo grandes restaurações florestais. Também começam surgir financiamentos para restauração florestal de áreas privadas, através do mercado de carbono.

Hoje o preço do mercado de carbono já chegou entre 15 a 20 dólares por tonelada. Então, o mercado voluntário de carbono, o REDD+, já começa a trazer enorme benefício para esses projetos de restauração.

Só para lhe dar um número: um hectare de restauração florestal, no preço do mercado de carbono hoje, já gera 200 a 300 dólares por ano e isso é muito mais, duas a três vezes, o que a pecuária na Amazônia gera de lucro.

O que deseja como resultado da Cúpula da Amazônia? O que deve ser decidido pelas lideranças do Brasil e dos demais países amazônicos, em Belém?

Claro que nós temos uma grande expectativa positiva para um acordo da Cúpula dos Países Amazônicos em Belém, com todos os presidentes dos países amazônicos, possivelmente também com o presidente da FrançaMacron. É a primeira vez que ela acontece e no sentido de que ela seja muito determinante quase que para fazer uma equivalência, vamos dizer assim, à União Europeia.

União Europeia foi criada muitas décadas e décadas atrás, e, por exemplo, na luta contra a emergência climática a União Europeia é a mais avançada do mundo.

É muito importante que os oito países amazônicos, mais a Guiana Francesa, cheguem num grande acordo. Como criar uma União Europeia de países amazônicos para combater o desmatamento, a degradação, a grilagem de terra, o crime ambiental e o crime organizado, mineração ilegal, tráfico de drogas, e a pesca ilegal, pois tudo isso explodiu na Amazônia.

Quais são suas esperanças para a Amazônia?

Eu sou muito esperançoso, porque no Painel Científico para a Amazônia, nós concluímos que temos que zerar o desmatamento, a degradação e o fogo na Amazônia rapidamente. E criar um grande projeto de restauração florestal para remover uma grande quantidade de carbono, combater a emergência climática e, principalmente, para tentar evitar o ponto de não retorno.

Espero que todos os países amazônicos coloquem uma direção econômica para a Amazônia, para a nova bioeconomia de floresta em pé e rios fluindo – que nós propusemos também no Painel Científico para a Amazônia: uma bioeconomia com a floresta sendo mantida em pé, com produção de centenas de produtos da biodiversidade amazônica.

Então, esse é o potencial, uma bioeconomia de floresta em pé, rios fluindo exatamente para manter a biodiversidade dos ecossistemas aquáticos. Essa bioeconomia de floresta em pé e rios fluindo vão melhorar muito a economia dos países amazônicos e vai melhorar muito a vida de dezenas de milhões de amazônidas da região.

*Com informações do site Instituto Humanitas Unisinos

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