O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo e dobrou a quantidade dessas substâncias químicas utilizadas nas lavouras do país em pouco mais de uma década: de 360 mil toneladas em 2010 saltou para 720 mil toneladas em 2021. O país também ocupa o topo do ranking global em termos de uso por área: gastou 10,9 quilos de agrotóxicos por hectare em 2021 – mais do que o triplo dos Estados Unidos (2,8 quilos por hectare) e mais do que o dobro da Itália (5,4 quilos por hectare), segundo dados da FAO (agência da ONU para alimentação).
De acordo com Larissa Bombardi, professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo e pesquisadora do Institut de Recherche pour le Développement de Paris, o Brasil é um dos principais destinos de agrotóxicos proibidos na União Europeia. Dos dez agrotóxicos mais vendidos no país, cinco estão banidos no bloco europeu: mancozebe, atrazina, acefato, clorotalonil e clorpirifós.
“Essas substâncias estão associadas a diversos tipos de câncer, má formação fetal, mal de Parkinson, diabetes. É por isso que foram banidas na Europa e que precisam urgentemente ser banidas no Brasil. É uma questão de saúde pública”, afirmou a especialista ao Um Só Planeta. Ela acaba de lançar o livro “Agrotóxicos e Colonialismo Químico” (Editora Elefante), no qual aborda o assunto.
Pelo fim da pulverização aérea
Bombardi aponta que, no Brasil, os limites de resíduos de agrotóxicos nos alimentos e na água são maiores — de forma discrepante — do que os permitidos na União Europeia, que ocupa uma posição de vanguarda na regulamentação do uso dessas substâncias.
É o caso do tebuconazol, inseticida proibido nos 26 países do bloco europeu por risco de provocar má formação fetal e alterações no sistema reprodutivo. No Brasil, o limite tolerado na água potável é 1.800 vezes maior do que o permitido na Europa. Por aqui, a substância é amplamente utilizada na produção de alimentos como alface, brócolis, arroz, repolho, mamão e uva.
O mesmo ocorre com o glifosato, agrotóxico mais vendido no Brasil e considerado possivelmente cancerígeno pela Organização Mundial da Saúde. O resíduo autorizado desse herbicida na água potável por aqui é cinco mil vezes maior do que o permitido no bloco europeu.
“A União Europeia proibiu 269 dessas substâncias usadas em agrotóxicos enquanto a maior parte dos países, inclusive o Brasil, não chegou a 30”, afirma Bombardi, que defende uma legislação internacional única e uma padronização da lista de substâncias banidas. A pesquisadora da USP aponta ainda a necessidade de aumentar a fiscalização e proibir a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o país, algo que já acontece na União Europeia desde 2009.
No Brasil, uma lei estadual proibiu a prática no Ceará em 2019. Em maio deste ano, o Superior Tribunal Federal validou a norma estadual por unanimidade, após produtores rurais a questionarem na Justiça. “As manifestações técnicas apontam os perigos graves, específicos e cientificamente comprovados de contaminação do ecossistema e de intoxicação de pessoas pela pulverização aérea de agrotóxicos”, afirmou a ministra do STF Carmen Lúcia.
Veneno que volta para a Europa
Um estudo do Greenpeace Alemanha divulgado em abril deste ano encontrou resíduos de diversos agrotóxicos em limões produzidos no Brasil e vendidos na União Europeia. Foram testadas 52 amostras da fruta compradas em supermercados e atacadistas na Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Itália, Holanda, Espanha e Suécia.
Todas as amostras, exceto uma, continham resíduos de agrotóxicos, sendo que seis entre os ativos encontrados não são aprovados para uso na União Europeia. Mais de 90% das amostras com resíduos apresentaram um coquetel de até sete agrotóxicos diferentes. Entre eles estão o herbicida glifosato e os inseticidas imidacloprida e cipermetrina – que são vendidos no Brasil por empresas europeias.
“O Brasil segue usando desenfreadamente muitas dessas substâncias que foram banidas na Europa. O efeito disso é que, quando exportamos nossos produtos agrícolas para a Europa, eles recebem de volta as substâncias que eles mesmos já baniram”, afirmou a porta-voz da frente de Agroecologia do Greenpeace Brasil, Mariana Campos, ao Um Só Planeta.
Pacote do veneno x PNARA
Tanto Bombardi como Campos defendem a aprovação no Congresso Nacional do projeto de lei 6.670/2016, que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA). A proposta prevê uma redução gradual do uso de agrotóxicos no país e estimula a transição para uma produção agroecológica e orgânica, com incentivo para uso de bioinsumos – produtos desenvolvidos a partir de enzimas, extratos de plantas, microorganismos e macroorganismos usados para o controle biológico de pragas e doenças e para crescimento de plantas e fertilização do solo. O PL também propõe uma reavaliação periódica dos agrotóxicos autorizados, algo que não é feito hoje.
Apoiado por entidades e movimentos da sociedade civil das áreas de saúde, meio ambiente, defesa do consumidor e luta pela reforma agrária, o PL que institui o PNARA foi aprovado em comissão especial em 2018 e está pronto para ser colocado em votação no plenário. No entanto, se encontra parado desde então por falta de apoio em um Congresso dominado por ruralistas.
“Dificilmente a gente terá maioria nesse momento. Precisamos de mais articulação, inclusive com o governo”, afirmou ao Um Só Planeta o deputado federal e coordenador da Frente Ambientalista da Câmara dos Deputados, Nilto Tatto (PT-SP), relator da Comissão Especial que aprovou o PL 6.670 em dezembro de 2018.
“O que avançou foi o PL dos Agrotóxicos, que vai na direção contrária ao PNARA”, destacou o deputado, em referência ao projeto de lei 1.459/2022 em tramitação no Senado. Apelidado por ambientalistas de “Pacote do Veneno”, o PL dos Agrotóxicos revoga a atual Lei dos Agrotóxicos de 1989 e facilita a aprovação e comercialização desses produtos químicos no Brasil.
Arroz orgânico
Na avaliação de Tatto, o atual modelo agrícola baseado na monocultura e no uso de agrotóxicos cada vez mais potentes não se sustenta no longo prazo e traz uma série de riscos à saúde humana e ao meio ambiente. “Esse modelo que ganhou força nos últimos 50 anos cria resistências para determinadas pragas e faz com que seja preciso produzir químicas cada vez mais violentas, que colocam em risco a própria agricultura”, alerta o deputado. “Mesmo as corporações do setor têm investido na busca de alternativas biológicas porque sabem que esse modelo químico não tem futuro.”
Mariana Campos, do Greenpeace, aponta a produção de arroz orgânico do MST, a maior da América Latina, como um exemplo bem-sucedido de agroecologia que deveria ser incentivado para ganhar escala e ser replicado em outros lugares. Entre 2020 e 2021, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra produziu 560 mil sacas de arroz orgânico no sul do país, cultivado por cerca de 400 famílias assentadas da reforma agrária. O caso é retratado no recém-lançado documentário “Antes do Prato”, uma iniciativa do Greenpeace com direção de Carol Quintanilha.
Para a porta-voz do Greenpeace, o Brasil tem potencial para se tornar um grande exportador mundial de alimentos orgânicos, livres de agrotóxicos, mas precisa criar políticas e dar subsídios para que isso aconteça. “Essa mudança não vai acontecer da noite para o dia, mas é preciso fazer uma transição para modelos agrícolas que prezam pela saúde humana e pelo meio ambiente. O mundo inteiro está de olho nisso”, avalia.
*Com informações do site Um Só Planeta