Mais do que nunca, todos os holofotes estão voltados para a Amazônia. A proteção e principalmente o desenvolvimento sustentável do bioma se mostram cada vez mais estratégicos para governos, empresas e terceiro setor. Isso se mostra nos projetos recentes, seja com o restabelecimento do Fundo Amazônia, até com a cooperação bilateral entre França e Brasil que busca arrecadar mais de R$5,4 bilhões em investimentos públicos e privados para o programa de bioeconomia na Amazônia.
Apesar do aumento nos investimentos em projetos socioambientais na Amazônia Legal, existe um fator que muitas vezes passa despercebido na construção das propostas elaboradas: a participação legítima das comunidades locais.
No contexto de territórios indígenas, ele se torna ainda mais fundamental. Mesmo com medidas que buscaram visibilizar essa população no país, como a criação do Ministérios dos Povos Indígenas, ainda é preciso avançar na construção de soluções que os tenham como protagonistas. Ao envolver essa população no processo de planejamento, há a garantia que “suas vozes sejam de fato ouvidas”, como bem apontou a liderança indígena Txai Suruí, na COP26.
Os planos comunitários permitem a identificação dos problemas, definição das prioridades e formulação de soluções, por meio de políticas públicas, parcerias ou projetos como de regeneração ambiental, geração de renda, educação, promoção da saúde, saneamento básico, preservação histórica e cultural, de acordo com a necessidade de cada território. O que subverte a lógica a que historicamente as comunidades indígenas são submetidas, de receberem projetos externos ou políticas desenvolvidas para eles, sem sua colaboração ou protagonismo, mantendo-se como intervenções de não indígenas aos seus territórios.
Além disso, os planos comunitários se mostram um forte aliado na gestão sustentável dos recursos naturais presentes nos territórios indígenas. Explico o motivo.
Segundo dados recentes disponibilizados pelo Instituto Socioambiental (ISA), das 728 terras indígenas registradas em território brasileiro atualmente, 426 se encontram na Amazônia Legal. A região também é a que concentra a maior presença de população indígena residente em TIs (46,7%), de acordo com o Censo IBGE de 2022.
Com ampla presença na Amazônia Legal e crescimento da agenda política de descarbonização, desmatamento zero, e a valorização da preservação da floresta amazônica em pé, em função de mercados como o da bioeconomia e de crédito de carbono, a construção participativa de povos originários em projetos nesse território se torna essencial.
É nesse sentido que os planos comunitários em terras indígenas podem atuar, uma vez que integram o conhecimento tradicional dessas populações às formas de gerenciamento sustentável dos seus recursos naturais, podendo lançar mão de estratégias como a agrofloresta e o manejo florestal, garantindo a subsistência sem comprometer a saúde dos ecossistemas. No plano também é possível identificar possibilidades de desenvolvimento de cadeias produtivas sustentáveis que contribuíram com o fortalecimento da economia local, gerando empregos e aumentando a renda das famílias.
Conforme aponta os dados o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), a demanda global por produtos amazônicos (cacau, açaí, pimenta-do-reino, frutas tropicais, peixes nativos, de uma lista de 64 itens já exportados), atinge US$ 176 bilhões no mercado internacional e o Brasil atende a apenas 0,17% desse total. Outra oportunidade é por meio do ecoturismo crescente em terras indígenas, que recentemente protagonizou o lançamento da primeira agência para esse fim, criada e mantida por povos originários da Amazônia, a Yabnaby – Espaço Turístico Paíter Suruí que receberá mais de R$522 mil para elaborar um plano estratégico de negócios.
Com esse cenário, os planos comunitários são estratégicos para apoiar o direcionamento dos investimentos, além de acompanhar a efetividade dos resultados junto à população local. Por isso, são desenhadas formas que permitem às comunidades indígenas se apropriarem e se empoderarem, para que sejam protagonistas do desenho à implantação das soluções.
Um exemplo, é o plano comunitário desenvolvido junto à Aldeia Gamir, na Terra Indígena Sete de Setembro, uma iniciativa da reNature para a construção das soluções em economia regenerativa através do RREP (Programa de Empreendedorismo Regenerativo Regional) com a premissa da autodeterminação. Nesse caso, o plano propôs eixos de investimento elencados pelos próprios indígenas, como tecnologia, ordenamento territorial e desenvolvimento das cooperativas. Nem tudo será abraçado pela empresa, porém o processo, facilitado pela Tewá 225, gerou consciência das lideranças e moradores sobre onde desejam estreitar parcerias e projetos nos próximos anos, alterando a lógica de “beneficiários” ou “receptores” de programas e projetos externos. No plano comunitário, é a comunidade quem determina os temas, prioridades e parceiros estratégicos para o atingimento dos seus resultados esperados.
Além disso, os planos comunitários fortalecem a coesão social e a identidade cultural das comunidades indígenas. Ao trabalharem juntos para definir seus objetivos e prioridades, as comunidades podem fortalecer os laços de solidariedade e colaboração, revitalizando suas tradições e promovendo um senso de pertencimento que contribui com a proteção desses territórios da exploração predatória e desmatamento ilegal, algo que encontra-se abalado especialmente em populações com amplo contato com a cultura do branco.
Com isso, para irmos além dos holofotes, é necessário garantirmos que os projetos e programas implementados em territórios indígenas, em especial da Amazônia Legal, sejam eficazes e atendam as necessidades dessa população. Os planos comunitários, são um caminho que amplia vozes, legitima a importância dos povos indígenas como gestores do conhecimento e alia os saberes ancestrais dessas populações às práticas sustentáveis que garantam o valor da floresta amazônica de pé.
Agora o desafio é que empresas, governos e terceiro setor reconheçam esse instrumento como fundamental para construção do futuro, a partir do hoje.
Fonte: Um Só Planeta/Globo.