Para quem começou a trabalhar aos 8 anos de idade na roça e estudou apenas quatro anos na escola, como é o caso do Raimundo Carrilho, de 77 anos, ter uma filha na Universidade Federal do Acre (Ufac) é motivo de orgulho e emoção. Mesmo não tendo acesso aos estudos, ele sempre teve consciência de que a educação mudaria a vida da filha. E agora, no último dia 9, vibrou com o primeiro dia de aula de Thainá Barros, de 18 anos, no curso de medicina. Animado, diz que a filha vai ser doutora.
De família humilde, Carrilho precisou ir pra roça aos 8 anos de idade ajudar os pais. Já adolescente chegou em Rio Branco, onde trabalhou como zelador do Mercado do bairro Seis de Agosto até se aposentar. Pai de cinco filhos, escolheu também criar Thainá, que na verdade é neta. Porém, trata ele e a mulher, Raimunda de Araújo, como pais.
Apesar de não ter tido tantas oportunidade, fez de tudo para que a filha tivesse todas. Mesmo em meio às dificuldades, sendo o único a ter renda na casa, ele sempre apostou nos estudos de Thainá. E a gente começa pela história de Carrilho, porque é dela que parte a conquista de Thainá.
‘Sempre fiz as vontades dela com estudos’
Sobre a filha, ele a define como determinada e conta que ela sempre foi muito voltada aos estudos. “É uma menina que nunca fui na escola ser repreendido por nada, nunca recebi uma pequena reclamação. Lembro que ela gostava de ler, então eu pegava livros na escola e assinava o termo de compromisso”, conta.
Thainá sempre estudou em escola pública. Nos primeiros anos estudou em uma escola do bairro onde mora, depois, por indicação de uma amiga da família, foi para o Colégio Acreano e de lá ela conseguiu ingressar no Instituto Federal do Acre (Ifac).
Ao receber a notícia de que a filha seria estudante de medicina, ele disse que se emocionou e comemorou a notícia. “Quando ela chegou dizendo que ia fazer medicina, fiquei muito alegre. Seja o que Deus quiser, quero que ela se forme. Sempre fiz as vontades dela com estudos. Uma vez queria um livro, fiz esforço para comprar, na época era R$ 65. Sempre quis incentivar e assim fui levando com a ajuda de Deus”, conta.
Ele espera que a filha consiga se formar em medicina e reforça que não se arrepende de ter ajudado em tudo que pôde. “Do dinheiro que ganho, deixo de comprar coisa pra mim pra comprar pra ela, pro estudo dela, não sonego, se eu tiver dinheiro eu dou, o que posso fazer por ela eu faço. Tenho fé que ela vai conseguir se formar”, diz.
Rotina
Thainá Barros conta que fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no ano passado. Ao se inscrever no Sistema de Seleção Unificada (Sisu 2023.1), ela passou em direito e chegou a fazer um período do curso. Porém, já na segunda edição do Sisu ela entrou em medicina na terceira chamada.
Então ela trancou direito e começou medicina na segunda-feira (9). “A minha avó é dona de casa e meu avô foi zelador, mas hoje é aposentado. Quando entrei no ensino médio foi em 2020, então junto veio a pandemia e fiquei dois anos estudando on-line e já queria fazer o curso de medicina, mas sabia que ia ser um curso difícil. Os cursinhos chegam a ser R$ 2 mil por mês e não teria como pagar esse valor”, relembra.
Em 2021, no segundo ano do ensino médio, Thainá começou a estudar pelo Med Aprova, um curso gratuito dos alunos de medicina da Ufac.
“Fiz um cursinho durante o segundo ano do ensino médio, como era na pandemia, era on-line, então eu tinha como ter acesso. Fiz o Enem como treineira, já no 3º ano do Ensino Médio, como era oficial, e não tinha como continuar no Med Aprova, o meu namorado e eu dividimos um cursinho on-line, então estudei on-line mesmo.”
Thainá tinha uma rotina puxada de estudos. Ela saía de casa às 5h40, pegava o primeiro ônibus para ir para o Ifac e à tarde trabalhava em um projeto de extensão. Mesmo com os desafios, ela sempre dava um jeito de estudar nas folgas que tinha durante o dia e aproveitava a estrutura da escola para se preparar.
“Ia pro Ifac, que a aula começava às 7h, tinha meu horário de aula normal e durante o período da tarde fui bolsista em um projeto de extensão que é dentro do Ifac, que dão oportunidade para os alunos trabalharem alguns segmentos como bolsistas para terem uma renda. Durante o período da tarde para esse projeto de extensão, eu tinha aula, almoçava rapidinho, chegava mais cedo e começa a estudar os conteúdo, acabava aula, ia almoçar e já ia para o local, que tinha computadores e era um ambiente que eu conseguia estudar e estudava na hora do almoço. Quando acabava meu expediente voltava para os estudos e ficava até mais tarde”, conta.
‘Estudo era um caminho’
A estudante lembrou que é de uma família muito humilde e que desde pequena se encantou com a medicina ao precisar de tratamento médicos constantes e sempre estar em unidades de saúde.
“Desde criança observava os médicos e era um ambiente que não me assustava, conforme fui crescendo, vi que era uma profissão que podia melhorar a condição da minha família, que é bastante humilde e foi isso que foi me dando forças para conseguir minha vaga e conseguir fazer medicina.”
A jovem disse que já tinha conseguido um estágio em direito, que estava tudo certo para começar, mas foi chamada para medicina e não pensou duas vezes. Ao chegar em casa, ela contou aos avós.
“Quando cheguei em casa contei pro meu pai, ele ficou muito emocionado, foi bem emocionante, porque eles não têm o ensino completo, então sabiam que o estudo para mim era um caminho e assim vou prosseguir. Foi muito gratificante”, contou.
Porto seguro
Para o futuro, ela pretende terminar o curso e se tornar médica. Thainá diz que tem consciência de que o caminho não será fácil, mas que vai conseguir.
“É um curso integral, precisa ter boas condições para se manter o dia todo na universidade, a carga horária é muito puxada, então se dedica bastante para aquilo. Pra mim que, além de estudar, cuido dos meu avós é massivamente exaustivo, mas espero concluir o curso, não desistir e também espero me formar daqui 6 anos, sei que é difícil, mas que é possível, porque passei pelo mais difícil que foi a aprovação.”
Em uma postagem feita em seu perfil no Instagram, Thainá relembrou sua trajetória e disse que tirava forças sempre pensando na família.
“Minha família foi meu porto seguro, por eles não desisti, tirava forças para continuar e plantar por meio dos estudos uma esperança de um futuro melhor para aqueles que eu amo, em especial os meus avós, minha mãe e meus irmãos. Apesar dos dias de luta, chegaram os dias de glória, consegui ser aprovada no curso de direito e medicina na Universidade Federal do Acre, e estou pronta para iniciar mais um passo na minha trajetória, construindo uma vida pela qual irei me orgulhar, sei que seis longos anos estão por vir e quero me tornar médica não apenas das doenças, mas sim da alma, proporcionando o bem estar do meu próximo com amor pela vida.
*Com informações do site G1